Grupo de Inculturação luta pela conscientização
das diferenças sociais
“Não importa a igreja ou a religião, o que importa é a
vida, o que vale é a vida”. É dessa forma, que Vicentina Neves Teixeira, ou dona
Vicentina, descreve a luta pela participação efetiva no Grupo de Inculturação
Afrodescendentes Raízes da Terra, que fundou e coordena há mais de 20 anos no
bairro São Geraldo, em São João del-Rei.
Nascida e criada na cidade dos sinos, dona Vicentina
trouxe a responsabilidade de difundir em sua comunidade um trabalho de
conscientização de direitos e valores, além da preservação da tradição
afrodescendente. “No final do ano
passado, na Festa do Zumbi, colocamos como tema ‘Cidadania não tem cor’, porque
para vestir a nossa camisa de negros não precisa ser negro. A pessoa que tem a
pele branca, às vezes, tem mais cuidado, dá mais valor que o próprio negro”,
comenta Vicentina. “Até porque a maioria dos negros tem vergonha de ser negro”,
revela.
A coordenadora destaca, como exemplo da perda de
tradição, a festividade mais marcante da cultura afro: o congado. “Se você
analisar o congado atualmente, dá para perceber a participação efetiva de
brancos, enquanto que os negros permanecem de longe, só olhando”, explica.
“Depois ainda comentam que a festa está acabando. Lógico, ele não esta lá para
ajudar, a festa tem que acabar mesmo. É muito triste a falta de comprometimento
das pessoas na herança da família”, completa.
Raízes da Terra
Surgido a partir do Movimento Sanjoanense de Cultura
Afro-Brasileira (MOSCAB), o grupo não se manifesta a partir de credos
religiosos e ficou conhecido, inicialmente, como Grupo de Pastoral de
Consciência Negra. Com a união de diferentes religiões, o grupo sentiu a
necessidade de atender e deixar todos confortáveis em seus encontros. “Precisávamos
de respeito para todos que participavam. Um dia alguém me perguntou: por que
consciência negra se consciência não tem cor?”, relembra Vicentina. O grupo
então se reuniu e votaram em um novo nome que representasse sua essência.
Dessa decisão surgiu o nome do grupo, que utiliza de percussão
e dança em ritmos afro-descentes, com figurinos típicos, para resgatar a
cultura negra. “Nós estamos tentando resgatar a nossa cultura afro, porque
somos descendentes da 3ª geração de africanos e Raízes da Terra porque somos
raízes em São João del Rei de descendentes. Além de tentar resgatar a nossa
cultura local”, explica a coordenadora.
O Raízes da Terra conta com o apoio da Associação de
Congado Santa Efigênia, e da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Contudo ainda sentem a falta de apoio
da comunidade e das próprias famílias.
“Se trabalhamos com criança, cadê os pais para incentivar a
participação? Quando tiramos uma criança das esquinas, a livramos de coisas
piores. Dependendo da situação que essa criança enfrenta, ela não acha o
caminho de volta. Temos uma menininha de 4 anos”, revela. “Até pessoas de 120
anos”, completa com uma risada.
Para a tesoureira Efigênia Vicentina Neves, Genica como
é conhecida, o trabalho com as crianças é de fundamental importância para a
conscientização da comunidade. “Ninguém nasce racista. O convívio com uma
sociedade racista é que moldam sua forma de pensar; por isso o grupo procura
fazer um trabalho de socialização, para desde cedo, conscientizar as crianças a
aceitar as diferenças sociais que existem”, explica.
Berço da Escravidão
Lutando há 20 anos pela valorização de sua raça com o
Grupo Raízes da Terra, Dona Vicentina enfatiza que a discriminação acontece a
todo o momento, por mais esclarecida e evoluída seja a população. “Ficou
enraizado que tudo relacionado a negro ou é feio ou é do diabo”, revela.
“Fazemos parte de uma cidade de escravos e senhores. O historiador, Jairo Braga
Machado, sempre falou muito sobre isso. São João del-Rei é um celeiro de
senhores e escravos. Aqui é o berço da discriminação, da escravidão”, como
assim descreve a cidade de natal.
Para uma melhor aceitação, o Grupo Raízes da Terra
acredita que ainda é necessário um espaço para que eles possam, de forma
simples, explicar o objetivo do projeto e aproximar a comunidade de uma cultura
que faz parte da história da cidade, sem julgamentos prévios. “Cada um faz a
sua história conforme quer e a dor que sente. Estamos resgatando a história que
eu estou vivendo, que eu vivi, e isso tem que ser preservado”, sensibiliza dona
Vicentina em relação ao trabalho desenvolvido.
Texto e Fotos: Carol Slaibi
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