A APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) de São João del-Rei promoveu, no mês de março, o curso de capacitação de voluntários para atuar nas unidades locais. O objetivo do curso é informar sobre o método APAC, em comparação com o formato tradicional dos presídios brasileiros e, formar pessoas interessadas em prestar serviços diretos aos recuperandos (denominação utilizada pela metodologia aos presos condenados da justiça).
Fundada em São João del-Rei no ano de 2005, a APAC funciona como um órgão auxiliar da justiça, atuando em parceria com a comunidade. Os voluntários compartilham responsabilidades e desenvolvem projetos, como oficinas de arte e educação, confecção de objetos de decoração em madeira, papel etc.
Além da capacitação de voluntários, a APAC estabelece parcerias com empresas locais e entidades filantrópicas que auxiliam no processo de reintegração social dos recuperandos.
História
A APAC é uma entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e à reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. A história desta entidade tem início em 1972, na cidade de São José dos Campos/SP, quando o advogado Mário Ottoboni, idealizador do método, em parceria com um grupo de interessados, entre eles o alemão Franz de Castro Holzwarth, organizaram a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados.
Em 1981, o advogado Franz de Castro Holzwarth morre em um tiroteio entre policiais e presos rebelados da delegacia e cadeia pública de Jacareí (SP). Apesar da tragédia ocorrida, o método APAC se estendeu por todo o Brasil e pelo mundo. Em 1986, a APAC se filiou à Prision Fellowship International (PFI), órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários.
No Brasil são cerca de 150 entidades em funcionamento, com destaque para a unidade de Itaúna/MG, que se tornou referência mundial por seus excelentes resultados. Países como Alemanha, Cingapura, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Hungria, Latvia, México, Moldávia, Nova Zelândia e Noruega também implantaram o método APAC.
Em São João del-Rei, a APAC foi fundada juridicamente em 2005. Hoje existem três unidades na cidade: a sede, Franz de Castro Holzwarth, unidade masculina; a recente Unidade Feminina que funciona no bairro Matosinhos e a Casa do Albergado, onde se cumpre o regime aberto.
Segundo o gerente administrativo da unidade masculina, Carlos Henrique de Souza da Silva, em função do espaço físico limitado da atual sede, a entidade trabalha apenas com aqueles recuperandos que já cumprem suas penas em regime semi-aberto. “O ideal é atender os três regimes: o fechado, o aberto e o semi-aberto. Contudo, em 2009 foi firmado um convênio junto à Secretaria de Estado de Defesa Social e novos Centros de Reintegração Social estão sendo construídos para atender a 130 recuperandos nos três regimes”, explica Carlos Henrique.
Método
A principal diferença entre a APAC e o sistema prisional convencional é que os recuperandos são corresponsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. A segurança e a disciplina do presídio são asseguradas com a colaboração dos funcionários da entidade, sem a presença de policiais, armas de fogo e agentes penitenciários.
Para o Presidente e idealizador da APAC de São João del-Rei, o ex-vereador Antônio Carlos Fuzatto, a espiritualidade, a educação e a família são elementos importantes e por isso são obrigatórios na APAC: “Nós entendemos que a pessoa quando está no crime deixa a escola, a família e a religiosidade. Então a recuperação desses sujeitos passa pelo resgate dos valores abandonados ou, muitas das vezes uma iniciação desses valores, pois muitos nunca tiveram estudo nem mesmo família. É um processo de socialização, é como ensinar a andar e falar”, comenta o Presidente.
A APAC de São João del-Rei é pioneira no que diz respeito à educação. Com o apoio da 34ª Superintendência Regional de Ensino, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio – EJA, com aula presencial desde a alfabetização até ao ensino médio foi implantada e faz-se obrigatório o estudo para todos os recuperandos. Sendo que para cada três dias estudados os recuperando tem a redução de um dia na pena sentenciada.
Outro diferencial da APAC com relação ao sistema prisional comum é o fato de que o método busca a humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena. O objetivo é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar. “A diferença é que a APAC cumpre a lei. Por exemplo, para cada recuperando existe uma cama individual, um espaço de pelo menos 2m² por pessoa, uma sala íntima para casais, o chuveiro tem água quente etc. Nos presídios convencionais há uma superlotação e alto índice de reincidência, as estatísticas apontam para 10% nas APACs contra 85% no regime carcerário comum”, explica a psicóloga Lúcia da Fonseca Castro.
Laborterapia
A APAC de São João del-Rei oferece aos recuperandos, além de espaços físicos adequados, afazeres que não apenas mantêm a organização do prédio, mas auxiliam no processo socializador. Os recuperandos são divididos em grupos que se responsabilizam por tarefas específicas, tais como cozinhar, faxinar, vistoriar a organização dos quartos e armários, outros ainda cuidam da farmácia e do almoxarifado. Um grupo forma o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, responsável por dar advertências aos recuperandos que não cumprem os afazeres.
Atividades de lazer, desenvolvidas por voluntários, com objetivo terapêutico, também fazem parte do processo socializador. O recuperando Ueider Pedro Mendes explica que “são ofertados cursos de pintura, oficinas de incentivo à leitura, confecção de chumbada para pescaria, confecção de miniaturas em madeira, origami, coral etc”.
Carlos Geraldo, 43, o Romário, como gosta de ser chamado, é pintor profissional, já cumpriu quatro anos de prisão no regime fechado, e há um ano está na APAC. Romário conta que aprendeu a trabalhar com madeira nesse período: “Meu sonho, quando sair daqui, é montar uma oficina de marcenaria. Tenho até ciúmes dessas máquinas aqui, cuido delas diariamente. Essa cadeirinha personalizada do mengão [aponta ele] fiz para o meu filho, ela representa meu arrependimento de muitos anos de ignorância”.
O recuperando João Ziviani, 44, cumpre pena há cinco anos. Pedreiro profissional, João conta que em maio deste ano irá para o regime aberto, na Casa do Albergado. “Vou retomar minha profissão e minha família. Quero, também, dar continuidade nos estudos que aprendi aqui. Toda semana, com ajuda da professora, escrevo uma carta para minha esposa”, conta João. O recuperando comenta ainda a diferença de tratamento que existe na APAC em relação ao presídio comum: “A APAC nos dá muita oportunidade. Aqui não somos tratados como animais, ao contrário, somos preparados para voltar a conviver na sociedade como um cidadão, não como criminoso”, diz.
O trabalho dos voluntários
O trabalho desenvolvido pela comunidade, paralelo ao sistema carcerário, dá subsídio ao processo de recuperação dos condenados. Oficinas de laborterapia ofertadas pelos cidadãos que participam dos cursos de capacitação e parcerias firmadas com empresas e instituições contribuem para a reintegração dos recuperandos.
Rosilene Sebastiana da Silva fez o curso de voluntária no ano passado e auxilia na cozinha da APAC e em eventos beneficentes. “O que me motivou a ser voluntária foi o resultado que conferi na recuperação do meu próprio filho. O Jeferson terminou os estudos, dá palestras nas escolas e, atualmente foi contratado para trabalhar na APAC como Assistente Administrativo”, comenta Rolilene.
Segundo Carlos Henrique de Souza da Silva, o curso de capacitação de voluntários, para dar assistência aos condenados pela justiça, tem o objetivo de trazer para a sociedade o problema da segurança pública para ser pensado coletivamente. “A APAC de São João del-Rei oferece o curso de voluntários anualmente e, também, firma acordos com a Prefeitura e empresas privadas para empregar, no regime CLT, alguns recuperandos”, explica Carlos Henrique.
O curso de voluntários teve início em março e tem previsão de encerramento para julho deste ano. As aulas acontecem aos sábados no campus Santo Antônio da Universidade Federal de São João del-Rei. Os interessados podem obter maiores informações na sede da APAC, situada à Rua Aureliano Raposo, 87, centro de São João del-Rei.
Reportagem e fotos: Mariana Sibele Fernandes.
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